terça-feira, 11 de abril de 2017

A Terceira Margem do Rio










Dizem que ao entrar em uma casa que você já viveu antes, você poderia se encontrar com seu "eu" mais novo e isso poderia ou causar uma catarse, ou deixar você desnorteado.

Se ao adentrar minha casa na rua Francisco da Cruz Maldonado em São Sebastião, eu encontrasse meu eu de 12 anos, escrevendo sobre uma escrivaninha, criando mundos e desenhando barcos, me puxaria de lado e teria uma conversa séria. Essas são oportunidades únicas, se encontrar mais novo e poder dar dicas de como se preparar, do que fazer, do que não dizer. Você vai poder mudar o amanhã, melhor ainda, o seu amanhã.

Mas eu precisaria pensar muito para saber o que dizer. Se eu falar demais uma das coisas que me fez ser a pessoa que sou hoje pode não existir e ai, será que se eu me encontrasse mais novo daria a mesma dica? E se eu disser de menos? Será que estaria perdendo a maior oportunidade da minha vida? Será que não seria bom me privar de algumas dores, de algumas cicatrizes, de algumas das minhas maiores tristezas?

O que fazer? Devia falar do primeiro amor, para que eu soubesse que a dor de acreditar que algo era para sempre e perder, iria passar. Devia falar que talvez eu não devesse me jogar tanto nos relacionamentos, quem sabe me guardar um pouco, evitar sofrimentos. Devia falar para não desistir dos meus sonhos, que eu vou encontrar um outro caminho, a terceira via, a minha via. Que uma hora tudo vai acabar fazendo sentido e que todas as frentes que eu abrir darão frutos, afinal, nem todo fruto é dinheiro. Devia dizer que talvez valesse a pena pensar no futuro, me resguardar, cuidar das finanças e da saúde. Não abusar. Não achar que serei sempre o super homem, sem sentir cansaço, achando sempre que o dia é muito curto para mim.

Talvez ainda devesse dizer que minhas molecagens precisariam parar mais cedo. Que eu devia me ver como um homem, maduro antes. Que a idade passa voando, que o tempo não volta e que a sensação de o ter perdido iria me acompanhar sempre. Devia dizer que talvez fosse bom focar mais em pequenas coisas, me especializar, que o "Jack of all trades, master of none" um dia fica velho, fica batido.Cantar em todos os estilos, não te garante ser o melhor cantor em nenhum.

Devia dizer para nunca deixar de ir ver minha mãe. Não importa o cansaço, não importa as dificuldades. Cada viagem vale a pena, cada viagem vinha coberta de amor, de carinho, de compreensão. Que cada momento que passarei com ela em minha vida adulta vai ser uma pequena mostra da pessoa incrível que ela é, que ela foi. Devia dizer que vai valer a pena, que ela conseguiu colocar bons valores em mim, que me fez ser uma pessoa boa, uma pessoa melhor. Ela até me fez comer de tudo. Dizer que ela me fez um sonhador, um esperançoso, uma pessoa crente no melhor das pessoas, na vontade que todos temos de sermos pessoas melhores, todos os dias. Dizer que ela me fez crer que a vida pode ser melhor, mais simples, mais feliz e mais unida, não só para mim, mas para todos.

Mas não. Nada disso seria correto dizer. Cada uma das coisas que eu havia pensado em dizer, na verdade, precisavam acontecer para eu chegar em quem eu sou hoje. Cada dor, infinita, que eu tive, ao não me derrubar de vez, me fez encontrar belezas e fez florescer em mim sensações e emoções mais puras, e entender que ao me entregar a cada uma delas, de peito aberto, eu não estava fraquejando, sendo a parte inferior, mas sim, sendo o meu eu mais forte, o meu eu mais verdadeiro, o meu eu mais eu. Eu não sou de esconder emoções, eu não sou de buscar fazer coisas que machuquem os outros. Eu sou preocupado com todos, eu quero todos bem, eu quero todos felizes. Eu procuro sempre seguir minha bussola moral. Fazer o certo, me faz feliz. E esta é uma felicidade por inteiro, sem ranço, sem fundo de chateação, sem mágoa. Nenhuma felicidade pode ser inteira, se você magoar alguém para isso.

Pensei muito, olhando meu pequeno eu de 12 anos desenhando os barcos que havia visto naquela manhã na praia. Me diverti em reparar que ainda usava a mesma prancheta. Não sei porque, mas sempre amei pranchetas. E assim, olhando para mim, sem pensar em mais nada, percebi o que deveria dizer. Me chamei, virei a cadeirinha que meu eu de 12 anos usava, abaixei para ficar na mesma altura e olhando nos meus olhos disse:


"Pequeno Mário, seu caminho não será tão fácil como agora possa parecer. Ele será marcado por profundas tristezas, por longos períodos de dificuldade e por caminhos muito incertos. E tudo isso está bem, tudo isso fará parte, será importante e te fará crescer. Você tem doze anos, eu tenho trinta e seis, e sei que hoje, ainda não sei que caminho devo seguir. Ainda me perco. Mas se eu posso dizer apenas uma coisa para você, para te manter tranquilo com tudo que virá a seguir é nunca se impeça de amar. Você esta no caminho certo, você já sabe que essa força é muito maior que você. Mas saiba que ela te corresponde também. Que quando a luz parecer fraquejar, quando a escuridão chamar seu nome, o amor das pessoas à sua volta fará você encontrar o caminho de casa. O amor dos seus amigos, da sua irmã, de pessoas que você nem imaginava, este amor, vai te guiar e antes que você perceba, o chão que parecia ter sumido sob seus pés estará de volta, te mantendo firme. O que o futuro te reserva eu não sei, eu não sei o que será de mim saindo daqui, mas eu sei que você está no caminho certo. E que seus companheiros de caminhada te amam muito mais do que você poderia saber e que este amor faz tudo valer a pena. Acredite sempre em você, na pessoa que você quer ser, e no amor que você pode dar para o mundo."

Sei, hoje, que eu só absorvi uma parte muito pequena dessa conversa, mas ela sempre ecoou em minha cabeça. Me deixei desenhando de novo, coloquei meus fones de ouvido, dei play e sai andando da minha antiga casa, de volta para minha vida de 36 anos. A casa, agora, não era mais minha, era de alguém, alguém que eu nunca vi, e somente as sombras do meu passado estavam ali. Um passado mais simples, de muita felicidade. Andei até o final da rua e segui minha vida. Cantarolei, baixinho, sem perceber.



And in the end

The love you take
Is equal to the love you make


4 comentários:

  1. Muito mto muito bom.
    Ass: John Bull

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  2. Lindo! Amei... Continue escrevendo... Faz bem à alma . Te amo!

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  3. Teu texto emociona e traduz muito que gostaríamos de dizer para nossas crianças interiores.

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