domingo, 8 de janeiro de 2017

Mal do século





2016 foi um ano estranho. Acho que todos podemos concordar. Por mais que para alguns tenha sido um ano de novidades ótimas: filhos, novos empregos, casamentos, o cenário mundial nos trouxe uma enxurrada de derrotas consecutivas. Sei que muitos dirão que o para eles, nesse sentido, a coisa foi boa, tiveram as vitórias que procuravam, fossem elas o impeachment no Brasil, o Brexit na Inglaterra ou a vitória do Trump nos Estados Unidos. Mas acredito que quem comemore estas vitórias agora, falte uma visão geral e de longo prazo.

No país, o vice presidente que assumiu o cargo já mostrou que provavelmente não tem o melhor dos interesses para as camadas mais pobres fazendo mudanças em leis e dando como motivo a austeridade da situação, ao mesmo tempo que aprovam aumentos de salários para funcionários públicos específicos que já tinham uma carteira bem inchada. E o pior, tem gente que esta de acordo, que acha que foi bom, congelar gastos em áreas de extrema importância e que já não iam bem no país, como educação e saúde. Ou concordam com as novas leis de trabalho e aposentadoria. Ai fica difícil não só defender, como entender. Na Inglaterra, a votação para a saída da União Européia foi um choque para o mundo.E tudo articulado por um cara que dizia que a Grã Bretanha vinha perdendo dinheiro enviando para a zona européia. No fundo, o que pesou mais na balança foi o medo do cidadão comum dos refugiados sírios que vinham subindo pela Europa e da probabilidade da Turquia ser a próxima a entrar na zona comum européia. De novo, não se levou em conta o longo prazo, o caráter dos novos tratados comerciais que precisarão ser feitos e como as vantagens que outra hora se tinha, agora podem ter sido perdidas. Ah sim, para fechar, Trump. Que muito mais despreparado que sua concorrente direta, soube levantar votos das pessoas que não se sentiam mais representadas. Pessoas presas pelo passado e suas vantagens que não pareciam mais existirem. E Trump nem entrou ainda e já enfiou o pé pelas mãos pelo menos umas 4 boas vezes. Isso só por estes lados. Se pensar no oriente, a situação Síria piorou muito, a Coréia do Sul teve um escândalo político absurdo, a Rússia vem colocando cada vez mais as manguinhas de fora e apontando para problemas próximos com a Otan.

Mas se isso já não fosse ruim o suficiente, o meu campeão do ano foram as redes sociais. Na verdade, eu acredito que venha em um crescente. Não sei se piorou de verdade, ou se o eu só parei para prestar mais atenção agora, mas a impressão que dá é que é impossível fugir do chorume que viraram as redes sociais. E parece ser um fenômeno mundial. Não importa sobre qual seja o assunto vai ter alguém que acredita saber mais do que quem está postando, que acha que a opinião é mais importante, ou só alguém que precisa desfilar toda a sua sapiência para os outros. E tudo é uma ofensa pessoal. Seja o que iniciou os comentários, seja alguém mostrando o que foi dito esta errado, é tudo pessoal. Aí é melhor estar preparado para uma enchente de xingamentos e ataques.

Não sei quem foi que falou que sua opinião importa. Claro, importa para seus amigos mais próximos, parentes. Mas para o mundo? Dificilmente. Quando as redes sociais não existiam, se tinha algo que acontecia no mundo, no máximo você comentava sobre o que você havia pensando sobre determinado assunto com um ou dois amigos, a galera mais próxima. Mesmo quando as redes sociais começaram a surgir com mais força, você era obrigado a escolher uma comunidade específica para dar sua opinião, e ainda assim, só quando estivesse em casa, perto de um computador. Isso dava trabalho, não valia tanto a pena. Foi só quando os celulares e o 3G ficaram mais comuns que as coisas começaram a degringolar de vez. Agora você esta na rede social 24 horas por dia, todos os dias. É impossível fugir, porque grande parte das coisas acontece via as redes sociais. Até a política está sendo regida a partir das redes sociais. E isso está afetando cada vez mais a gente.

Não acho nada difícil você ter dado unfollow em um amigo ou parente no facebook este ano. Ou deixado de seguir algum famoso no twitter, ou instagram, por algum comentário imbecil que o mesmo fez, ou pelo jeito que o mesmo se portou em algum assunto importante. Posso dizer da experiência pessoal que isto vem me afetando desde as manifestações de 2013. De repente éramos todos especialistas em política. Um país razoavelmente novo na democracia, que sempre ligou muito pouco para política, que odiava o fato do voto ser obrigatório e agora todos sabemos de tudo e a minha história é obviamente muito melhor que a sua. O famoso jogo do "A gente" contra "Eles". E o que dizíamos, os comentários em posts ou matérias, eram incabíveis, inconsequentes, absurdos e ultrajantes. Descemos ao fundo do poço e chegando lá começamos a cavar. 

O engraçado é que estamos, ou deveríamos, estar todos do mesmo lado. Todos queremos um país melhor, um planeta melhor. Pessoas melhores, melhores condições, mais saúde, mais dinheiro para todos, mais qualidade de vida. Afinal, estamos todos no mesmo barco, chegamos todos sem saber o que queremos fazer ou porque estamos aqui e precisamos encontrar um significado, um chamado, uma vida para se ter. E claro, podemos chegar as mais diversas explicações para estas dúvidas e nenhuma vai estar mais certa que a outra. Assim como podemos pensar nos mais diversos caminhos para melhorar a vida de todos, e sem testar, nenhum vai estar mais certo que o outro. Mas ao invés de pesar o que está dito é melhor xingar e dizer que a pessoa não tem ideia do que tá falando.

Essa toxicidade que as redes sociais atingiram acaba fazendo mal para a saúde mental e, em algum casos, até física. Para mim isso foi bem claro, passei tanto tempo me preocupando com os posts políticos, quem tinha dito o que, como tal pessoa tinha me decepcionado, os absurdos, os "como é que não percebe que", e tudo isso enquanto as coisas degringolavam de vez no país. Isso foi me fazendo dormir pior, fazendo ficar meio deprimido. E com as pessoas que eu conversava, todas estavam passando por isso também. Quem sabe um dia isso tenha até um nome, algo como o "mal du siécle".

E não é que eu acredite que as redes sociais só tenham um lado ruim. Acho que até é mais pelo contrário, o começo das redes sociais eu só via o lado bom, reencontrar pessoas, o contato constante, poder postar coisas interessantes e que as pessoas pudessem tirar algo de legal ou interessante para a própria vida. Mas a sensação que me dá agora é que nós não estávamos prontos para as redes sociais. Não estávamos prontos como civilização mesmo. Falta respeito, falta educação e, principalmente, falta noção. Noção de que por mais verdade que seja uma coisa, você pode deixar de falar ela quando o momento não é apropriado, ou quando não vai ajuda em nada a situação. E noção que provavelmente sua opinião realmente não importa. Se não te pediram, se não é uma pergunta aberta, e se não vai adicionar nada de valor, provavelmente o melhor é você fica quieto. Sua opinião, na maioria das vezes, não importa. Importa para seus amigos mais próximos, para seus pais, familiares, mas no geral, não importa.

Dado que as redes sociais não parecem estar acabando, e ainda existe muito de bom que se pode tirar delas, talvez, o mais importante seja saber pesar e regrar o quanto elas te afetam no dia a dia. Tentar ter uma atitude saudável em relação as redes sociais, saber se afastar e não ficar o tempo todo saltando de uma rede social para outra. A toxicidade não deve acabar tão logo e o melhor caminho para se tentar ter conversas interessantes e produtivas, seja on line, seja na ao vivo, é tentar ter empatia e entender com quem você esta conversando, quais são as experiências que esta pessoa teve para ver o mundo como ela vê. Se cada um ao invés de aumentar o problema, souber um jeito de tranquilizar o calor da conversa, quem sabe aos poucos a educação vá chegando e os debates, conversas e idéias possam florescer. Com isso, todos vão sair ganhando.