sábado, 15 de abril de 2017

Meet me in Montauk




Desceu do trem sem olhar para trás. Pés caminhando seguros, indo um a frente do outro, em uma marcha de quem sabe onde se vai, mesmo nunca tendo estado ali. Ali era apenas mais um lugar, como seria o proximo e o proximo e assim por diante. Ela sabia um local que nunca se esteve em breve poderá ser a sua nova casa, para depois ser apenas uma memoria.

Ele não desceu. Ele não se mexeu. Ele continuou a olhar os passos dela enquanto ela caminhava para o desconhecido. O trem em que estava só andava para trás e a cada nova estação, um novo lugar antigo, uma nova memória desenterrada. Ele já conhecia tudo, ele só não queria esquecer.

Ela vivia o novo, andava para frente,  sabendo que o passado e as memorias sempre estariam la para serem visitadas. Ele vivia o passado, vivia de memórias, olhando para trás, sabendo que o novo sempre estará ali esperando para ser vivido.

Indo um para frente e outro para trás, se encontraram na metade do relógio e viveram um segundo como se fosse o infinito. Mas eles sabem, o relógio tem duas metades.


terça-feira, 11 de abril de 2017

A Terceira Margem do Rio










Dizem que ao entrar em uma casa que você já viveu antes, você poderia se encontrar com seu "eu" mais novo e isso poderia ou causar uma catarse, ou deixar você desnorteado.

Se ao adentrar minha casa na rua Francisco da Cruz Maldonado em São Sebastião, eu encontrasse meu eu de 12 anos, escrevendo sobre uma escrivaninha, criando mundos e desenhando barcos, me puxaria de lado e teria uma conversa séria. Essas são oportunidades únicas, se encontrar mais novo e poder dar dicas de como se preparar, do que fazer, do que não dizer. Você vai poder mudar o amanhã, melhor ainda, o seu amanhã.

Mas eu precisaria pensar muito para saber o que dizer. Se eu falar demais uma das coisas que me fez ser a pessoa que sou hoje pode não existir e ai, será que se eu me encontrasse mais novo daria a mesma dica? E se eu disser de menos? Será que estaria perdendo a maior oportunidade da minha vida? Será que não seria bom me privar de algumas dores, de algumas cicatrizes, de algumas das minhas maiores tristezas?

O que fazer? Devia falar do primeiro amor, para que eu soubesse que a dor de acreditar que algo era para sempre e perder, iria passar. Devia falar que talvez eu não devesse me jogar tanto nos relacionamentos, quem sabe me guardar um pouco, evitar sofrimentos. Devia falar para não desistir dos meus sonhos, que eu vou encontrar um outro caminho, a terceira via, a minha via. Que uma hora tudo vai acabar fazendo sentido e que todas as frentes que eu abrir darão frutos, afinal, nem todo fruto é dinheiro. Devia dizer que talvez valesse a pena pensar no futuro, me resguardar, cuidar das finanças e da saúde. Não abusar. Não achar que serei sempre o super homem, sem sentir cansaço, achando sempre que o dia é muito curto para mim.

Talvez ainda devesse dizer que minhas molecagens precisariam parar mais cedo. Que eu devia me ver como um homem, maduro antes. Que a idade passa voando, que o tempo não volta e que a sensação de o ter perdido iria me acompanhar sempre. Devia dizer que talvez fosse bom focar mais em pequenas coisas, me especializar, que o "Jack of all trades, master of none" um dia fica velho, fica batido.Cantar em todos os estilos, não te garante ser o melhor cantor em nenhum.

Devia dizer para nunca deixar de ir ver minha mãe. Não importa o cansaço, não importa as dificuldades. Cada viagem vale a pena, cada viagem vinha coberta de amor, de carinho, de compreensão. Que cada momento que passarei com ela em minha vida adulta vai ser uma pequena mostra da pessoa incrível que ela é, que ela foi. Devia dizer que vai valer a pena, que ela conseguiu colocar bons valores em mim, que me fez ser uma pessoa boa, uma pessoa melhor. Ela até me fez comer de tudo. Dizer que ela me fez um sonhador, um esperançoso, uma pessoa crente no melhor das pessoas, na vontade que todos temos de sermos pessoas melhores, todos os dias. Dizer que ela me fez crer que a vida pode ser melhor, mais simples, mais feliz e mais unida, não só para mim, mas para todos.

Mas não. Nada disso seria correto dizer. Cada uma das coisas que eu havia pensado em dizer, na verdade, precisavam acontecer para eu chegar em quem eu sou hoje. Cada dor, infinita, que eu tive, ao não me derrubar de vez, me fez encontrar belezas e fez florescer em mim sensações e emoções mais puras, e entender que ao me entregar a cada uma delas, de peito aberto, eu não estava fraquejando, sendo a parte inferior, mas sim, sendo o meu eu mais forte, o meu eu mais verdadeiro, o meu eu mais eu. Eu não sou de esconder emoções, eu não sou de buscar fazer coisas que machuquem os outros. Eu sou preocupado com todos, eu quero todos bem, eu quero todos felizes. Eu procuro sempre seguir minha bussola moral. Fazer o certo, me faz feliz. E esta é uma felicidade por inteiro, sem ranço, sem fundo de chateação, sem mágoa. Nenhuma felicidade pode ser inteira, se você magoar alguém para isso.

Pensei muito, olhando meu pequeno eu de 12 anos desenhando os barcos que havia visto naquela manhã na praia. Me diverti em reparar que ainda usava a mesma prancheta. Não sei porque, mas sempre amei pranchetas. E assim, olhando para mim, sem pensar em mais nada, percebi o que deveria dizer. Me chamei, virei a cadeirinha que meu eu de 12 anos usava, abaixei para ficar na mesma altura e olhando nos meus olhos disse:


"Pequeno Mário, seu caminho não será tão fácil como agora possa parecer. Ele será marcado por profundas tristezas, por longos períodos de dificuldade e por caminhos muito incertos. E tudo isso está bem, tudo isso fará parte, será importante e te fará crescer. Você tem doze anos, eu tenho trinta e seis, e sei que hoje, ainda não sei que caminho devo seguir. Ainda me perco. Mas se eu posso dizer apenas uma coisa para você, para te manter tranquilo com tudo que virá a seguir é nunca se impeça de amar. Você esta no caminho certo, você já sabe que essa força é muito maior que você. Mas saiba que ela te corresponde também. Que quando a luz parecer fraquejar, quando a escuridão chamar seu nome, o amor das pessoas à sua volta fará você encontrar o caminho de casa. O amor dos seus amigos, da sua irmã, de pessoas que você nem imaginava, este amor, vai te guiar e antes que você perceba, o chão que parecia ter sumido sob seus pés estará de volta, te mantendo firme. O que o futuro te reserva eu não sei, eu não sei o que será de mim saindo daqui, mas eu sei que você está no caminho certo. E que seus companheiros de caminhada te amam muito mais do que você poderia saber e que este amor faz tudo valer a pena. Acredite sempre em você, na pessoa que você quer ser, e no amor que você pode dar para o mundo."

Sei, hoje, que eu só absorvi uma parte muito pequena dessa conversa, mas ela sempre ecoou em minha cabeça. Me deixei desenhando de novo, coloquei meus fones de ouvido, dei play e sai andando da minha antiga casa, de volta para minha vida de 36 anos. A casa, agora, não era mais minha, era de alguém, alguém que eu nunca vi, e somente as sombras do meu passado estavam ali. Um passado mais simples, de muita felicidade. Andei até o final da rua e segui minha vida. Cantarolei, baixinho, sem perceber.



And in the end

The love you take
Is equal to the love you make


sexta-feira, 31 de março de 2017

Writing Heals

(or the blue french horn)






*contem spoilers*



O Ted não deu trompa azul para a mãe dos filhos dele. Ele deu para quem seria no final o grande amor da vida dele, ele deu para Robin. A relação deles veio e foi em momentos diversos. Desde o começo da série você sabia que eles eram feitos um para o outro e as vezes não entendia porque eles não ficavam juntos. O que acontece é que a vida é também assim. As vezes ela é simples e pratica como foi para o Marshall encontrar a Lilly. De cara eles perceberam que um era o amor da vida do outro. E ainda assim, mesmo sabendo disso, eles passaram um longo ano separados. Esse ano derrubou o Marshall que passou meses e meses sem dar um sorriso se quer. Ele sabia o que havia perdido e também sabia que naquela hora ele não tinha muito o que fazer, tinha de esperar, dar o espaço e o tempo que a Lilly precisava para se encontrar.

Com o Ted a coisa foi sempre diferente. Ele sempre quis ter o grande amor da vida e acreditou que ele havia encontrado na Robin. E eles tentaram, e tentaram algumas vezes. Mas apesar do obvio amor, apesar da química ideal e da amizade e companheirismo, as coisas nunca pareciam se encaixar para eles. Períodos bons e rompimentos doloridos. E isso fez o Ted passar a acreditar que o grande amor da vida dele estava em outro lugar. Era outra pessoa.

Durante toda a série os dois mentiram para os amigos e principalmente para si mesmos dizendo que não gostavam mais um do outro, que podiam ser só amigos. Mentiram tão bem que eles mesmos acreditaram.Seguiram suas vidas, as vezes mais próximos como amigos, as vezes mais distantes com o passar do tempo. Casaram-se. E não se casaram com pessoas quaisquer, casaram onde valia a pena, no que fazia sentido. Pessoas incríveis e construíram histórias maravilhosas, mas o amor entre eles nunca morreu. Eles sabiam. Sempre souberam, só não conseguiam admitir. Criaram muros, isolaram esse sentimento, mas ele não morreu. Ele continuou ali, quentinho, esperando ser redescoberto, ser encarado de frente e compreendido.

Quantas vezes eles foram e voltaram até parecer desistir? Eu não me lembro mais, mas pareceu sempre que eles corriam um para o outro e se desencontravam. E as tentativas que eles tiveram foram todas importantes, mas no final um não estava tão pronto quanto o outro para aquilo naquele momento, ou um achava que estava mas não estava, ou faltava maturidade e os medos e inseguranças dominavam. As vezes se demora uma vida inteira para se estar no ponto que se sabe que precisava e queria estar desde o começo.

Mas seja você a Lilly, o Marshall, o Ted ou a Robin, o que fica é que o amor importa, o amor espera e resiste, não importa a quantidade de coisas que coisas que você coloque por cima dele, ele sempre vai estar lá. E sem perceber a sua vida vai te colocar na posição de olhar de frente para ele e entender que ele sempre vai estar ali e que tudo que você tem de fazer é se entregar.

Afinal, o Ted deu a trompa azul para a Robin, No primeiro episodio e no ultimo. Porque sempre esteve lá e sempre estará.


domingo, 8 de janeiro de 2017

Mal do século





2016 foi um ano estranho. Acho que todos podemos concordar. Por mais que para alguns tenha sido um ano de novidades ótimas: filhos, novos empregos, casamentos, o cenário mundial nos trouxe uma enxurrada de derrotas consecutivas. Sei que muitos dirão que o para eles, nesse sentido, a coisa foi boa, tiveram as vitórias que procuravam, fossem elas o impeachment no Brasil, o Brexit na Inglaterra ou a vitória do Trump nos Estados Unidos. Mas acredito que quem comemore estas vitórias agora, falte uma visão geral e de longo prazo.

No país, o vice presidente que assumiu o cargo já mostrou que provavelmente não tem o melhor dos interesses para as camadas mais pobres fazendo mudanças em leis e dando como motivo a austeridade da situação, ao mesmo tempo que aprovam aumentos de salários para funcionários públicos específicos que já tinham uma carteira bem inchada. E o pior, tem gente que esta de acordo, que acha que foi bom, congelar gastos em áreas de extrema importância e que já não iam bem no país, como educação e saúde. Ou concordam com as novas leis de trabalho e aposentadoria. Ai fica difícil não só defender, como entender. Na Inglaterra, a votação para a saída da União Européia foi um choque para o mundo.E tudo articulado por um cara que dizia que a Grã Bretanha vinha perdendo dinheiro enviando para a zona européia. No fundo, o que pesou mais na balança foi o medo do cidadão comum dos refugiados sírios que vinham subindo pela Europa e da probabilidade da Turquia ser a próxima a entrar na zona comum européia. De novo, não se levou em conta o longo prazo, o caráter dos novos tratados comerciais que precisarão ser feitos e como as vantagens que outra hora se tinha, agora podem ter sido perdidas. Ah sim, para fechar, Trump. Que muito mais despreparado que sua concorrente direta, soube levantar votos das pessoas que não se sentiam mais representadas. Pessoas presas pelo passado e suas vantagens que não pareciam mais existirem. E Trump nem entrou ainda e já enfiou o pé pelas mãos pelo menos umas 4 boas vezes. Isso só por estes lados. Se pensar no oriente, a situação Síria piorou muito, a Coréia do Sul teve um escândalo político absurdo, a Rússia vem colocando cada vez mais as manguinhas de fora e apontando para problemas próximos com a Otan.

Mas se isso já não fosse ruim o suficiente, o meu campeão do ano foram as redes sociais. Na verdade, eu acredito que venha em um crescente. Não sei se piorou de verdade, ou se o eu só parei para prestar mais atenção agora, mas a impressão que dá é que é impossível fugir do chorume que viraram as redes sociais. E parece ser um fenômeno mundial. Não importa sobre qual seja o assunto vai ter alguém que acredita saber mais do que quem está postando, que acha que a opinião é mais importante, ou só alguém que precisa desfilar toda a sua sapiência para os outros. E tudo é uma ofensa pessoal. Seja o que iniciou os comentários, seja alguém mostrando o que foi dito esta errado, é tudo pessoal. Aí é melhor estar preparado para uma enchente de xingamentos e ataques.

Não sei quem foi que falou que sua opinião importa. Claro, importa para seus amigos mais próximos, parentes. Mas para o mundo? Dificilmente. Quando as redes sociais não existiam, se tinha algo que acontecia no mundo, no máximo você comentava sobre o que você havia pensando sobre determinado assunto com um ou dois amigos, a galera mais próxima. Mesmo quando as redes sociais começaram a surgir com mais força, você era obrigado a escolher uma comunidade específica para dar sua opinião, e ainda assim, só quando estivesse em casa, perto de um computador. Isso dava trabalho, não valia tanto a pena. Foi só quando os celulares e o 3G ficaram mais comuns que as coisas começaram a degringolar de vez. Agora você esta na rede social 24 horas por dia, todos os dias. É impossível fugir, porque grande parte das coisas acontece via as redes sociais. Até a política está sendo regida a partir das redes sociais. E isso está afetando cada vez mais a gente.

Não acho nada difícil você ter dado unfollow em um amigo ou parente no facebook este ano. Ou deixado de seguir algum famoso no twitter, ou instagram, por algum comentário imbecil que o mesmo fez, ou pelo jeito que o mesmo se portou em algum assunto importante. Posso dizer da experiência pessoal que isto vem me afetando desde as manifestações de 2013. De repente éramos todos especialistas em política. Um país razoavelmente novo na democracia, que sempre ligou muito pouco para política, que odiava o fato do voto ser obrigatório e agora todos sabemos de tudo e a minha história é obviamente muito melhor que a sua. O famoso jogo do "A gente" contra "Eles". E o que dizíamos, os comentários em posts ou matérias, eram incabíveis, inconsequentes, absurdos e ultrajantes. Descemos ao fundo do poço e chegando lá começamos a cavar. 

O engraçado é que estamos, ou deveríamos, estar todos do mesmo lado. Todos queremos um país melhor, um planeta melhor. Pessoas melhores, melhores condições, mais saúde, mais dinheiro para todos, mais qualidade de vida. Afinal, estamos todos no mesmo barco, chegamos todos sem saber o que queremos fazer ou porque estamos aqui e precisamos encontrar um significado, um chamado, uma vida para se ter. E claro, podemos chegar as mais diversas explicações para estas dúvidas e nenhuma vai estar mais certa que a outra. Assim como podemos pensar nos mais diversos caminhos para melhorar a vida de todos, e sem testar, nenhum vai estar mais certo que o outro. Mas ao invés de pesar o que está dito é melhor xingar e dizer que a pessoa não tem ideia do que tá falando.

Essa toxicidade que as redes sociais atingiram acaba fazendo mal para a saúde mental e, em algum casos, até física. Para mim isso foi bem claro, passei tanto tempo me preocupando com os posts políticos, quem tinha dito o que, como tal pessoa tinha me decepcionado, os absurdos, os "como é que não percebe que", e tudo isso enquanto as coisas degringolavam de vez no país. Isso foi me fazendo dormir pior, fazendo ficar meio deprimido. E com as pessoas que eu conversava, todas estavam passando por isso também. Quem sabe um dia isso tenha até um nome, algo como o "mal du siécle".

E não é que eu acredite que as redes sociais só tenham um lado ruim. Acho que até é mais pelo contrário, o começo das redes sociais eu só via o lado bom, reencontrar pessoas, o contato constante, poder postar coisas interessantes e que as pessoas pudessem tirar algo de legal ou interessante para a própria vida. Mas a sensação que me dá agora é que nós não estávamos prontos para as redes sociais. Não estávamos prontos como civilização mesmo. Falta respeito, falta educação e, principalmente, falta noção. Noção de que por mais verdade que seja uma coisa, você pode deixar de falar ela quando o momento não é apropriado, ou quando não vai ajuda em nada a situação. E noção que provavelmente sua opinião realmente não importa. Se não te pediram, se não é uma pergunta aberta, e se não vai adicionar nada de valor, provavelmente o melhor é você fica quieto. Sua opinião, na maioria das vezes, não importa. Importa para seus amigos mais próximos, para seus pais, familiares, mas no geral, não importa.

Dado que as redes sociais não parecem estar acabando, e ainda existe muito de bom que se pode tirar delas, talvez, o mais importante seja saber pesar e regrar o quanto elas te afetam no dia a dia. Tentar ter uma atitude saudável em relação as redes sociais, saber se afastar e não ficar o tempo todo saltando de uma rede social para outra. A toxicidade não deve acabar tão logo e o melhor caminho para se tentar ter conversas interessantes e produtivas, seja on line, seja na ao vivo, é tentar ter empatia e entender com quem você esta conversando, quais são as experiências que esta pessoa teve para ver o mundo como ela vê. Se cada um ao invés de aumentar o problema, souber um jeito de tranquilizar o calor da conversa, quem sabe aos poucos a educação vá chegando e os debates, conversas e idéias possam florescer. Com isso, todos vão sair ganhando.