terça-feira, 15 de março de 2016

Nadar contra a maré

Aconteceu há dois dias, dia 13 de março de 2016, o que, provavelmente, foi a maior manifestação da minha geração. Quem sabe tenha sido a maior da história do país. Foram as ruas quase 3 milhões de pessoas. Isso é 25 vezes a população da capital da Islândia. É quase a população inteira do Uruguai. É mais do que a população de muitos países. É um mar de pessoas, em quase todas as capitais e em diversas cidades do interior. Ainda assim, é pouco mais do que 1% da população do país. Mas representa muito mais do que estes números e escancara o óbvio: uma insatisfação generalizada palpável. E tenha certeza, isso afeta tanto os de direita, quanto os de esquerda. Ninguém está feliz com a situação geral do Brasil. Mas os motivos parecem muito diferentes.

Esse post não vai entrar nos pontos importantes para um lado, ou para o outro. Tampouco pretende resolver a crise, unir lados ou ser um bastião da luta. O que não deve faltar pela internet são perguntas quanto a validade de se caminhar lado a lado com caras como Bolsonaro, Feliciano ou qualquer um que passe por perto de estar no mesmo saco que eles. Não devem faltar posts que falem se o fins justificam os meios ou se devemos nos preocupar com a força que os militares parecem estar ganhando a cada manifestação. Acredito também que peritos em política devem estar analisando se a presidente ainda tem gorvernabilidade, ou se os próximos passos que ela vai tomar serão todos focados apenas na permanência no poder, enquanto as medidas necessárias para o país caminhar social e economicamente vão sendo deixadas em segundo plano. E claro que sem nem pesquisar, imagino já os posts que vão falar sobre que momentos temerosos passando e como pensamentos retrógrados, conservadores e carolas ganham força exatamente em momentos como estes, assim como também se escancaram os medos e racismos da sociedade. Não, este não é um post que vai tratar disso. Na verdade, tudo que eu quero com ele é analisar algo que pareceu passar batido por todos, sendo só um pontinho no radar das pessoas e que acaba indo de encontro com algo que gerou uma repercussão muito maior do que o esperado. Começo com esta última. Na semana que precedia a manifestação, circulou pelas redes sociais a charge abaixo:




A charge provavelmente buscava mostrar o abismo social que ainda existe no país, onde a mãe sai para manifestação e quer levar seu bebê para participar deste momento também, mas para não perder todos os momentos, ao invés dela mesma levar, leva junto dela a babá ou empregada para carregar a criança. Cenas de um cotidiano muito normal para a gente. A charge poderia ter adicionado o celular para selfie. O que o autor da charge jamais poderia sonhar era que a primeira imagem mais compartilhada do dia da manifestação fosse esta:




A versão real da sua própria charge. A vida imitando a arte mais rápida dos últimos anos. Muito foi falado sobre assunto. Muitos atacaram a imagem, tantos outros a defenderam. O casal veio a público dizendo que a babá é contratada, com carteira assinada, que recebera dobrado por se tratar de um domingo. A babá veio a público dizendo que estava feliz de ajudar a família, que seu chefe era muito bom. Quem atacou disse primeiro algo na linha do que argumentei acima quanto à charge e depois disse que a imagem mostrava que o que se pedia era um mundo melhor para o patrão, branco e sua família de comercial, enquanto a babá negra continuará inexoravelmente sua empregada. Eu preferi não entrar nesse assunto por diversos motivos, mas principalmente porque pela imagem não temos a menor noção das relações ali estabelecidas e por acreditar que qualquer julgamento feito seria infundado. Mas algo na imagem me incomodou e me acompanhou durante o dia.

Um pouco mais tarde, no mesmo dia 13, veio uma notícia que me pareceu a pior do dia na hora:


No mesmo momento em que esta notícia surgiu, minha timeline em todos as redes sociais foram ao delírio. Imagino que o mesmo tenha acontecido com a sua. Acredito que era a primeira vez que via gente de direita e de esquerda comemorarem o mesmo fato sem ter um esporte como pano de fundo. E foi essa reação que realmente me incomodou. O fato em si estava estabelecido. Mas podíamos reagir de diversas maneiras e não estávamos. Explico porque me incomodou. Para o Aécio, Alckmin e Matarazzo, ser vaiado e ter de sair rapidamente da manifestação não era ruim, era um infortúnio, mas nada mudava no grande plano das coisas: a manifestação seguia firme e forte e, quiçá, este fato que havia ocorrido com eles fosse até aumentar sua força. Essa manifestação é amplamente protegida por eles. Eles chegaram a gravar videos e imagens convidando a todos a participar. Eles prepararam a PM para ser solícita, tirar fotos, posar como protetora dos bons costumes e das famílias de bem. Eles chegaram a pedir para o metrô fazer hora extra:


A situação é toda ridícula e absurda. O tamanho de um apoio destes mostra na verdade o quanto o jogo do poder esta desbalanceado. Quando vai de encontro com o que o governo do estado de São Paulo espera, o metrô é garantido (chegando até a ter catracas liberadas para um evento do mesmo estilo no ano anterior: http://spressosp.com.br/2015/03/16/manifestantes-anti-dilma-sao-agraciados-com-passe-livre-metro-em-sp/), a PM participa como se esperaria dela nos outros 365 dias do ano (hey! Este ano é bissexto) e quando não vai de encontro, as cenas que vemos são muito piores:




Se eles, os vaiados não quisessem esta manifestação, temos certeza que a reação da PM, a pressão do Estado, as discussões seriam muito diferentes. Ser vaiado fez quem estava na Paulista pensar que havia mostrado para eles, que corruptos "não passarão". E eles sabem que isso sumirá muito rápido uma vez que seja alcançado o que eles esperam. Até estranhei de ver tão abertamente assim colocado na Folha de São Paulo:




Mas voltando ao ponto, não cabe entrar no mérito das outras manifestações, mas você pode se perguntar se transportes públicos com aumentos abusivos, a falta de verba para educação, entre uma série de outras demandas não eram tão importantes, ou pelo menos, tão justas, quanto a do dia 13? Quando teremos a Marcha da Merenda? Ou este não é um assunto sério? Então porque no domingo todos puderam ir sem embate, sem problemas, usando o verde e o amarelo, enquanto nas outras manifestações os que foram tiveram de usar casacos grossos, proteção para o nariz e a boca e correram o risco de serem expostos a violência física, a sangrarem? Você acredita que os que foram feridos, ou foram acertados pelos gases das bombas de efeito moral ou de pimenta não preferiam estar andando lado a lado com a policia, tirando selfies e sendo ovacionados pela nação por estarem lutando por todos os que não foram, afinal, todos usamos os transportes públicos, todos precisamos de educação, e todos sabemos muito bem a diferença de uma boa nutrição.

Mas não é assim que acontece. Afinal, quando se vai contra alguma coisa, você normalmente encontra uma reação. Quando se nada contra a maré, a maré tenta te obrigar a ir pelo outro caminho. Muito mais fácil é nadar a favor da maré. E foi por isso que a imagem da babá e das crianças tinha me incomodado muito: quando que esta babá e estas crianças poderiam ir em qualquer uma das outras manifestações que falei aqui? E foram muitas e muitas. Mas a gente sabe que a resposta é: nenhuma. Nenhuma! Os país jamais deixariam, sendo que muito provavelmente as crianças estariam brigando pelo próprio futuro delas, afinal, se a escola pública for boa, forte, com boa nutrição e for o melhor caminho para uma universidade pública boa, forte e reconhecida, melhor para elas e melhor para todas as famílias. Se ela ainda puder chegar na escola e depois na universidade por um transporte público limpo, bem gerido e barato, quem não vai ficar feliz, certo? Mas manifestações que não estão corroborando com quem controla as coisas de verdade não é lugar para crianças, para animais de estimação e nem para beber champanhe. Todas cenas deste último domingo.

Agora, em um ponto muito menor, vale lembrar, que sempre foi destacado nesta e em outras manifestações contra o governo federal o fato delas acontecerem de domingo, sem prejudicar ninguém. Aqui em São Paulo, elas acontecem na Avenida Paulista, coração da cidade. A Avenida Paulista é fechada nos domingos para pedestres e ciclistas, como uma maneira da população tomar a cidade. Conheço muitas pessoas que moram nos entornos e leio em diversos meios o quanto a Paulista fechada atrapalha o ir e vir e que isto é um absurdo. Só ler comentários nas páginas que anunciaram o fechamento e você vai ver estes e muitos outros. Tenho quase certeza de que esta seria novamente a mesma posição que uma boa parcela da sociedade iria assumir se as manifestações do MPL, professores e tantos outros mudassem para o domingo. Claro, só fazendo para ver, mas na dúvida, melhor fazer no dia que mais atrapalhar mesmo, para dar mais chance de ser ouvido.

A sensação de descontentamento cresce em todas as camadas, e hoje me parece ser impossível não ser afetado de alguma maneira. Quem sabe um dia se estude o que a angústia gerada por tempo tão prolongado possa causar de problemas para todos, mas é certo que algo precisa mudar. A população pareceu finalmente se interessar pela política e apesar de ainda ter um caminho muito longo para sermos todos conhecedores melhores da nossa política, da política mundial, do sistema jurídico e da nossa constituição, acredito que o primeiro passo possa ter sido dado nestes últimos anos. É preciso só nos mantermos conscientes, prestar atenção nos acontecimentos e estamos sempre abertos ao diálogo e principalmente a mudar de opinião. Para fazer esse pequeno post que só esbarrou em um assunto dos muitos e muitos que levantou, eu precisei ler um bom número de artigos, coletar quase 50 imagens (para usar só estas poucas aqui, a grande maioria foi de absurdos da manifestação do dia 13) e ainda assim não estar tão certo do que colocar. Afinal, aqui eu estou adentrando uma área que não é tanto do meu domínio, diferentemente do que fiz no post anterior, quando falei de Lei Rouanet e leis de incentivo, que é um assunto que domino mais. Apenas percebi que este fato, que para mim pareceu muito claro, não havia sido comentado abertamente em nenhum outro lugar. Se por algum acaso você ler este post e tiver lido em algum outro lugar, algo que fale parecido ou que contradiga completamente, deixe em comentário o link do mesmo. Agradeço muito a possibilidade de aprender mais sobre o assunto e ter acesso a outras visões.